terça-feira, 4 de setembro de 2007

Ansel Adams, Harry Callahan e liberdade

Nas primeiras aulas do Básico 1, vemos fotografias feitas por Ansel Adams, e um trecho de um DVD sobre ele. Algumas vezes, alguém que já conhece o trabalho de Adams vai direto ao ponto e diz: "Não gosto das fotos dele." Outras vezes alguém vai direto a outro ponto e diz: "Adoro fotografia de natureza. Adorei essas fotos!" Outras vezes ainda as fotografias de Ansel Adams não provocam gostos nem desgostos e somente passam pela aula de algum aluno da Rever. Uma dessas vezes uma aluna não conseguiu me dizer o que a incomodava no trabalho dele; se era o tema, se era a forma, se era o fato de que as fotos são fruto de uma relação contemplativa com o que acontece em frente à câmera. Na época em que ela me disse isso, respeitei a sua opinião como sempre faço, mas não soube mais o que dizer sobre como experimentar essas imagens de uma forma que fosse positiva para a sua própria fotografia. A resposta veio de presente faz alguns dias, enquanto eu estava lendo um livro sobre Harry Callahan, fotógrafo americano, nascido em 1912 em Detroit. Callahan experimentou muito, com muitos tipos de câmera, com muitas atitudes diferentes em meio a assuntos muito diferentes. Ao ver as imagens de Adams, Callahan foi mais além do tema e mais além da forma e mais além da motivação de Adams para fotografar. Abaixo segue a citação de uma entrevista na qual Callahan fala sobre Ansel, e sobre como o trabalho dele serviu de inspiração para o seu:

"[Adams] foi o primeiro fotógrafo sério que conheci. Antes disso eu nem sabia da existência de pessoas tão incríveis quanto Alfred Stieglitz. E quando eu vi o que Adams podia fazer com uma câmera, eu me senti livre para ir em frente e fotografar o que eu quisesse, da maneira que eu quisesse."

terça-feira, 21 de agosto de 2007

O Fotógrafo e a Opinião dos Outros

No fim da aula de segunda (20.08.07), depois de vermos o resultado de um exercício, eu digo a uma aluna que seria interessante ela explorar mais o tema das fotos que ela trouxe. Sem dúvida foi um dos resultados mais fortes que eu já vi para esse exercício. Valeria a pena prosseguir com esse trabalho. Já esperando uma reação positiva ou feliz da parte dela em relação ao meu comentário, ouvi quase sem acreditar: "Talvez eu faça, mas já desanimei com essas fotos." Como assim desanimou?! São lindas as fotos! E fortes! Como assim? Assim: a aluna mostra as fotos para amigas que não são muito capazes de dizer nada além de "Olha a outra! Tentando dar uma de artista!" Ela até que tenta defender o trabalho, perguntando se as amigas não entenderam nada, não viram nada ali. Viram, viram sim: "São os seus dedos, né?! São sim!" E não é que eram os dedos dela? Fora de foco, granulados, transformados em formas intensas, carregadas de sentimentos profundos. Tá na cara! Qualquer um pode ver! Quer dizer, qualquer um, não. As amigas dela não viram. Viram só os dedos ... e olhe lá! O resultado? "Não sei se vale a pena fazer mais depois daqueles comentários."

Lembrei de uma namorada Neo Zelandeza que tive faz muitos anos. Musicista, Victoria escreve para orquestras; música erudita contemporânea, trilhas sonoras para cinema. Ela entendia minhas fotos como poucas pessoas, e eu adorava mostrar minhas fotos para ela. Esperava os comentários e as críticas e as descobertas que ela ia me proporcionar, falando o que fosse das fotos que eu mostrasse. Mas apesar de ser meu público predileto, Victoria e eu discordávamos com veemência sobre esse assunto de público. Eu teimava em dizer que o artista tinha que ter em mente o público dele na hora de criar. Insistia como um bobo que nós artistas devíamos isso ao público. Ela se enfurecia e dizia que não! Absolutamente! "Eu crio minhas músicas para mim! Para mais ninguém! Se houver pessoas que gostem dela, ótimo! Se não, ótimo!" Eu não conseguia entender isso na época. Acho que depois de trabalhar com publicidade por um tempo, atendendo a clientes e mais clientes, eu devo ter cruzado os fios e embaralhado as idéias. Como é que eu vou expressar o que eu sinto, temendo a reação do outro, para agradar o outro? Victoria cria para si. Expressa o que sente, da maneira que sente, através da música. Ponto. Só isso. Mais nada.

Quer dizer, mais nada, não. Tem mais coisa, sim. E eu acabei dizendo mais uma coisa para a minha aluna. Não é o público que faz o artista. É o artista que faz o público. As pessoas que são tocadas pela obra tornam-se o público do artista. E se ela mostrou o trabalho dela para pessoas que só conseguem ver dedos, então compreenda isso. Esse público não vê além das aparências. Só isso. O público da sala de aula viu. Viu além da superfície do papel. Sentiu. Nem todo mundo vê. Nem todo mundo entende. Nem todo mundo gosta. É somente assim como é. Não é? Vamos ver como virão as próximas fotos!

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Brassai, Nadar e Bresson (com ou sem flash)

Na aula de ontem para o pessoal de Flash do Sesc Pompéia, falamos do post abaixo, sobre Brassai, e sobre como ele precisava da colaboração de seus retratados para conseguir suas imagens. Por conta de seu equipamento, Brassai não conseguia instantâneos fotográficos com flash; tinha mesmo de posar as pessoas e construir com elas o retrato. Era preciso estabelecer e manter uma relação delicada de confiança e colaboração para que a foto funcionasse. Nesses casos, um dos motivos para haver mesmo essa colaboração era técnico: o uso do flash era demorado. Não se capturava a ação no seu desenrolar. Era preciso construir a imagem, mantê-la ali um momento e então registrá-la.

Vimos também retratos feitos por Nadar e conversamos sobre a sua relação com os retratados. Na época em que ele fotografava, o comum era posar a pessoa em cenários com colunas gregas, cortinas, mesas de canto e toda uma parafernália cenográfica que mais escondia a pessoa que mostrava. As poses eram todas iguais, as luzes eram todas iguais. Só mudava mesmo o rosto da pessoas em meio aquilo tudo. Nadar fazia diferente. Para ele bastava um fundo liso, luz, a pessoa e a relação que se estabelecia entre ele e o retratado. De novo vieram as mesmas idéias: confiança, colaboração. Mas ele falava com a pessoa? Se falava, falava o que? É preciso saber o que falar para "dirigir" a pessoa e conseguir a foto?

Imediatamente me lembrei de Bresson. Ao contrário de Brassai, ele não usava flash em seus retratos. Não dependia de nada que impedisse o instantâneo. Mesmo assim, construía em conjunto com o retratado a imagem. E como Nadar, buscava muito mais que apenas uma imagem fotográfica de uma pessoa. Dependia de confiança. Como no retrato que ele fez de Ezra Pound. Nesse dia, ficaram ambos calados durante cerca de uma hora, um diante do outro. Bresson escreve que de vez em quando piscavam, e era só isso. Estar de frente para o outro, sem a necessidade de nada que fosse supérfluo à relação que se estabeleceu ali, em silêncio. Bastou. A imagem é muito mais que um mero registro fotográfico.

Que conclusão tiramos disso? Será que o retrato de Ezra Pound é forte porque eles simplesmente não falaram nada? Falar com o retratado é quebrar esse vínculo de confiança? Mais do que isso, precisamos descobrir como estabelecer esse vínculo com cada pessoa fotografada. Agir da forma mais apropriada na circunstância em que estamos. Falar, não falar, o que falar. O mais importante seria respeitar a pessoa que está junto com você construindo a imagem, não? Sem prepotências, sem preponderâncias. Retratar em conjunto com o retratado. Sobre isso, Bresson escreveu:

"A profissão depende tanto das relações que o fotógrafo estabelece com a pessoa que ele está fotografando, que um relacionamento falso, uma palavra ou atitude erradas, podem arruinar tudo. Quando o modelo está desconfortável (seja esse descoforto qual for), a personalidade dele foge para um lugar aonde a camera não alcança."

domingo, 12 de agosto de 2007

Brassai, Flash e o Instantâneo

Outro post para o pessoal da Oficina de Flash Básico do Sesc.

Durante a última aula, sexta-feira passada, vimos muitas imagens noturnas feitas por Brassai na Paris da década de 30; algumas feitas com exposições longas, outras feitas com flash. As fotos estão no livro Brassai, editado pela Taschen.

Quando não fazia longas exposições, Brassai usava lâmpadas de flash; mais ou menos as avós dos nossos flashes eletrônicos atuais. Nós estamos acostumados com flashes que disparam centenas de vezes antes de termos de pensar em uma lâmpada nova para eles. São flashes sincronizados com o obturador de nossas câmeras e seu disparo é rápido, instantâneo. Isso tudo sem contar com módulos automáticos, TTLs etc. Tudo muito rápido, tudo muito fácil.

O funcionamento dessas lâmpadas era bem diferente dos nossos flashes. Cada lâmpada era boa para um disparo. Uma espécie de curto circuito acionava a lâmpada, que estourava literalmente o filamento a fim de liberar a luz. Além disso ainda não havia sincronismo entre flash e câmera. O fotógrafo precisava abrir o obturador, para então acionar a lâmpada, esperar o pico de iluminação e só depois fechar o obturador. Não exatamente instantâneo, não exatamente rápido.

Por isso tudo, Brassai precisava contar com a colaboração das pessoas que fotografava. Quando estava em um bar e ia fotografar um casal, as pessoas precisavam parar durante um momento e manter a pose tanto quanto fosse possível, até que Brassai pudesse abrir o obturador, disparar o flash, aguardar a luz atingir o pico para depois fechar o obturador. Muitas de suas fotos parecem instantâneos casuais, feitos nos bares, boites, bordéis e teatros de Paris, mas são na verdade o resultado de uma colaboração entre o fotógrafo e os fotografados. Uma colaboração necessária para que pudessem fazer a imagem acontecer, apesar das limitações técnicas do equipamento.

Brassai certamente prezava muito essa relação que conseguia desenvolver com as pessoas que fotografava. Daí a citação abaixo:

"Eu preciso que o fotografado esteja o mais consciente possível
de que ele faz parte de um evento (...) de um ato artístico.
Eu preciso de sua colaboração ativa..."


quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Os Russos e os Flashes de Robert Capa - Por John Steinbeck

Citação Especial para os alunos do Mini Curso de Uso Básico do Flash, ministrado no SESC Pompéia.

Durante o mês de Agosto costumo ministrar Oficinas sobre uso de flash, básico e avançado, no Sesc Pompéia. Logo na primeira aula, enquanto eu mostrava uma foto feita com flash durante uma palestra, um dos alunos perguntou se não houve reclamações da palestrante ou da platéia por causa dos clarões a cada disparo. Respondi que não. Éramos inclusive dois fotógrafos trabalhando no evento e tudo correu bem.
Nem sempre é o caso. Há locais onde o uso de flash é proibido, como no teatro, ou restrito a uma pequena parte do evento, como em shows de música. Uma das alunas chegou a comentar que mesmo quando permitido, o flash é um inconveniente para a platéia. Imediatamente lembrei da citação abaixo, onde o uso do flash durante uma apresentação de teatro foi desastroso por um lado, e um estrondoso sucesso por outro.Divirtam-se:

“O tratorista havia acabado de dar quatro ou cinco passos no palco, e a história havia apenas começado, quando Capa acionou seus flashes para fazer a primeira foto. Isso interrompeu de imediato o desenrolar da peça. A garota de unhas pintadas escondeu-se atrás de umas samambaias e não voltou a mostrar a cara durante todo o resto da cena. O tratorista esqueceu o texto. A líder de brigada tropeçou e tentou em vão salvar a apresentação. O restante da peça foi representado como um eco, com os atores repetindo as falas sussurradas pelo ponto, de modo que se ouvia tudo em duplicata. E toda vez que estavam prestes a se recompor, Capa disparava seus flashes e os deixava desconcertados. (…) A natureza irresponsável da moça decadente era simbolizada tanto pelo esmalte vermelho das unhas como por um colar de contas de vidro e bijuterias vistosas. E o espoucar dos flashes a deixou tão nervosa que ela rompeu o colar e as contas espalharam-se por todo o palco. Foi aí que a peça desandou de uma vez por todas.”
“O público adorou. E aplaudia entusiasticamente toda vez que havia um disparo de flash.”

De onde vem a citação acima :)

Capa e Steinbeck estavam no vilarejo de Chevtchenko e assistiam a uma peça de teatro. A citação conta como foi a reação de atores e da platéia aos flashes disparados por Capa durante a apresentação.
Ela foi tirada do livro “Um diário Russo” de John Steinbeck, com fotografias de Robert Capa, publicado no Brasil pela Cosac&Naify. Os dois autores visitaram a União Soviética em 1946, quando a Guerra Fria tornava o relacionamento entre Rússia e Estados Unidos cada vez mais difícil. Na época era quase impossível obter qualquer informação que fosse imparcial sobre os Russos nos EUA; na Rússia não era muito diferente. De toda forma, Capa e Steinbeck queriam ver por si próprios como vivia o povo Russo. Simplesmente. Ver, escrever, fotografar, voltar para mostrar. Longe de fingir uma visão imparcial e objetiva, Steinbeck escreve no fim do primeiro capítulo: “O que se vai ler a seguir é o que nos acontecceu. Não é o relato sobre a Rússia, mas apenas um dos possíveis relatos sobre a Rússia.”